quarta-feira, 29 de outubro de 2008

Frank vai para Darkwood

FRANK VAI PARA DARKWOOD,
por Moreno Burattini.

Photobucket

Franco Donatelli foi sepultado na floresta de Darkwood. Para quem leu e amou por anos e anos suas histórias de Zagor, era lá que ele vivia, entre os índios pitorescos, que era bravíssimo em caracterizar, e as cidadezinhas de fronteira cheias de personagens vívidos e críveis, embora delineados com poucas linhas, as essenciais.

E porque Darkwood é um reino encantado por mil faces, onde tudo pode acontecer e cada possível cenário da aventura é sempre à disposição, a sua floresta era diversa daquela de Ferri, que a havia criado.

Aguacenta, cheia de cipós e de vegetação intrincada, aquela do desenhista ligure; mais seca e rochosa, e com menos árvores, pronta a transformar-se em montanha e deserto aquela de Donatelli. Do mesmo modo, diversa era a sua interpretação de Zagor e era singularmente diversa.

Sim, porque enquanto o problema de todos os desenhistas que foram experimentados e experimentam a atlética e dinâmica figura do Espírito com a Machadinha é que tiveram de acertar as contas com o traço impressionista ferriano, feito de pinceladas rápidas e eficazes, procurando adequar-se a essa impostação, Donatelli encontrou, ao contrário e de imediato, uma sua estrada pessoal.

Há uma anedota a propósito e Mauro Laurenti, desenhista zagoriano entre os mais apreciados, mas que há alguns anos está ativo no campo dos desenhos animados, a conta: encarregado, junto com um staff de animadores, de realizar um filme piloto para uma série de cartoon tendo Zagor como protagonista (do qual foram realizados apenas poucos segundos e que nunca foram mostrados), Laurenti e quem trabalhava com ele se encontraram diante do problema de representar o Espírito com a Machadinha de uma única forma.

Ou seja, delinear os traços do seu rosto e de seu corpo em uma linha contínua, para que depois a animação pudesse coordenar os movimentos, mas que não podia ser acertada com pinceladas improvisadas, moduladas, marcas impressionistas de negro e branco; e sobretudo não pode ocorrer nos desenhos animados que um rosto não tenha proporções constantes e ele deve ser construído segundo esquemas precisos que consintam a rotação desse filme. Em suma: não se podia ter Ferri como referência.

Esse grande “fumettista” é dotado de uma técnica que não pode por certo ser considerada como “linha clara”. Laurenti e companhia não perderam o ânimo: havia um outro desenhista zagoriano que poderia oferecer a eles aquilo de que necessitavam: Franco Donatelli. O seu Zagor estava ali, pronto para servir de modelo, limpo e bem definido, com o rosto delineado por linhas guias constantes e essenciais. E era um Zagor clássico, importante, “oficial” para todos os efeitos, não improvisado, reconstruído ou desvirtuado.

Donatelli caracterizou à sua maneira Zagor, Chico e os outros companheiros-chave da série e embora sua mão fosse sempre e de qualquer modo reconhecível, não traiu nunca o espírito dos personagens criados por outros. Sabia pôr-se ao serviço do herói e das histórias talvez justamente porque fora o primeiro, em absoluto, a trabalhar para a recém-nascida Editora “Audace”, de Gianluigi e Tea Bonelli, em 1940. Muito jovem, fora chamado para ser fac-totum[1] na redação. Embora depois, no curso de sua longa carreira, Donatelli tenha trabalhado para outras editoras, seus relacionamentos com a família Bonelli não se interromperam nunca e, pelo contrário, em um certo momento, tornaram-se exclusivos.

Depois de ter começado na Audace com desenhos de “Furio Almirante”, imediatamente depois da Guerra, trabalhou para a Universo, para a Nerbini, para a Alpe. Em 1948, voltou para as Edições Audace, para desenhar vários episódios da “Patrulha dos Sem Medo”, mas depois publicou também “Sitting Bull” para a Della Casa, “Kansas Kid” e “Burma” para a Cremona Nova e sobretudo “Pecos Bill” para a Sepim, de Torelli.

Para o mesmo editor, assinou também as aventuras de um insólito super-herói italiano: Radar. Em seguida, Donatelli voltou a colaborar com Bonelli, como criador das capas do “Pequeno Ranger”: as suas capas para esse personagem, realizadas com técnica pictórica, merecem uma menção toda particular. “Essas ilustrações - conta Decio Canzio - realizadas com uma técnica mista de têmpera e aquarela, eram de grande sugestão e comunicavam ao leitor um senso de glória épica.”

De resto, como capista, Donatelli tinha uma longa experiência: a partir dos Romances Western dos anos cinqüenta (época em que assinava com o pseudônimo de Frank Donat), aos “Albi Salgari” até às capas para os livros juvenis da Mursia, da Cappelli, da Sonzogno, da Rizzoli e - no campo dos quadrinhos - às capas de “Gordon” e “Máscara Negra” da Editora Corno. E como ilustrador Donatelli era conhecido também fora dos confins da Itália: o periódico francês “Paris Jour” publicava seus desenhos em meia-tinta.

Na metade dos anos sessenta, Donatelli passou a fazer parte do staff de Zagor, personagem que continuou a desenhar até o dia de seu falecimento. Não foi por acaso. Zagor é um personagem criado por Guido Nolitta, aliás Sergio Bonelli, e Sergio era muito ligado a Donatelli. Pode-se compreender: nascido em 1932, Sergio o via desde garotinho trabalhar na redação com sua mãe e seu pai, e Franco tornara-se um da família.

É natural que Bonelli tenha pensado nele no momento em que o seu personagem de maior sucesso passou do formato “cheque” para aquele gigante. A produção das tiras mensais aumentou enormemente e havia necessidade absoluta de alguém que se alternasse com Ferri. Antes disso, o titular da série já havia sido ajudado por Mario Cubbino e Enzo Chiomenti, mas sua colaboração não tinha dado os resultados esperados exatamente porque não tinham conseguido entrar em sintonia com o personagem, sempre particularmente indecifrável para quem quer escrevê-lo ou desenhá-lo sem “senti-lo”.

Franco Bignotti viera em socorro de Zagor realizando algumas tiras, mas havia outras séries das quais devia ocupar-se e ele só poderia ser utilizado como uma espécie de “coringa”. Donatelli estreou com a histórias “Os desertores” (Zagor italiano 37/38) e foi de imediato claro que não se afastaria mais da revista. O “seu” Zagor era um “verdadeiro” Zagor, embora diverso daquele de Ferri.

Desse momento em diante, as histórias de Donatelli se alternaram com aquelas de Ferri. Sendo veloz na execução pelo menos tanto quanto o titular da série, chegando a revelar-se como o autor mais prolífico depois dele. E com Ferri terminou por disputar (na nossa reconstrução crítica a posteriori, entenda-se bem) não apenas na quantidade de histórias, mas também na qualidade. “Donatelli - escreveu a esse propósito Stefano Priarone em ‘Dime Press’ - entrara perfeitamente no espírito zagoriano e o seu Chico competia na caracterização com aquele, mítico, de Ferri”.

Deve ser dito que no particularíssimo universo dos mais corajosos fãs do Espírito com a Machadinha, Ferri sempre foi (com razão) o desenhista mais amado, também porque foi o criador gráfico e é o capista da série. Ferri era absoluto e isso não se discute. Por isso, Donatelli sempre foi considerado de modo semelhante ao que o escada é no mundo cômico, ou aquilo que Carson representa ao lado de Tex Willer. Mas vocês imaginariam Águia da Noite sem o seu fiel Cabelos de Prata?

O particular traço de Donatelli rendeu graficamente algumas das mais belas histórias de Zagor. Quem não recorda, por exemplo, histórias memoráveis como “Mohican Jack”, “Liberdade ou Morte”, “Expedição Punitiva”, “Águas Misteriosas”? São aventuras ligadas ao imaginário zagoriano e provavelmente representam também o momento de máxima expressão artística do autor lombardo. E isso é particularmente verdade sobretudo pelas histórias escritas por Sergio Bonelli.

Quando Bonelli-Nolitta abandonou as aventuras do Espírito com a Machadinha também a inspiração artística de Donatelli sentiu, e alguns episódios do período sucessivo parecem não tão inspirados quanto aqueles da golden age nolittiana: também conseguiu valorizar igualmente muitas das aventuras da gestão Toninelli, sustentando justamente nesse período uma “linha clara” todo pessoal, essencial nos desenhos e nos fundos, mas muito eficaz. O mesmo Toninelli declarou uma vez, no curso de uma entrevista: “Donatelli, no que me toca, é o desenhista que traduz melhor aquilo que escrevo, aquilo que me satisfaz mais. Relendo as revistas, ao lado da singulares tiras e vinhetas, reparo que as histórias desenhadas por ele fluem bem e são exatamente como as escrevi”.

E efetivamente Donatelli tinha essa capacidade de “unir” as idéias do roteirista, realizando do melhor modo o pensamento do autor dos textos. Uma grande capacidade era essa de compreender imediatamente aquilo que o roteirista quer fazer: uma capacidade que Donatelli demonstrava sempre, com cada autor com o qual trabalhava, e não somente com Toninelli.

Todavia, foi exatamente com o escritor senês que Donatelli trabalhou quase exclusivamente entre 1982 e 1991 (ao contrário de Ferri, que no mesmo período desenhou histórias escritas por Castelli, Capone e Sclavi). Quando Toninelli abandonou a Bonelli para dedicar-se a novas experiências no campo editorial, Donatelli continuou a desenhar aventuras zagorianas dos autores que substituíram aquele nos textos.

Entre estes, também este que lhes escreve. E justamente eu, que de Toninelli tinha colhido as declarações na entrevista citada acima, pude perceber quanto elas eram verdadeiras: Donatelli tinha efetivamente o dom de não trair nunca o texto, mas sim interpretá-lo, magicamente, justamente como o autor dos textos os tinha imaginado.

Eu o conheci pessoalmente e encontrei uma pessoa modesta, mas dotada de uma extrema cordialidade. Trabalhando com ele nos últimos cinco anos de sua vida, sofri com as notícias sobre seu estado de saúde, que alternava entre altos e baixos. Já uma vez tinha interrompido uma história por diversos meses por causa de uma grave doença, mas depois se recuperara e, ao contrário, tinha continuado com maior entusiasmo do que antes, embora com um ritmo de produção mais contido.

Realmente, voltara a desenhar nos níveis qualitativos dos seus melhores tempos, depois que por qualquer tempo havia temido por um retrocesso no seu tratamento. Quando morreu, em Milão, em 15 de novembro de 1995, com a idade de setenta anos, estava trabalhando ainda em uma história minha: sairá póstuma, completada por um outro desenhista. A Editora entendeu que deve publicar tudo até à última tira que Donatelli realizou para os seus leitores.

“Franco Donatelli, na minha opinião, era um artesão - disse Graziano Frediani - no sentido mais nobre e mais antigo da palavra. Desenhava sempre com modéstia e dedicação, mantendo um ritmo produtivo constante e sem nunca trair um standard qualitativo decididamente elevado”. Donatelli deixa, assim, um grande vazio, seja pela sua humanidade, seja pelo seu profissionalismo. Mas nos deixa também uma herança: as milhares de tiras que mostram a mágica Darkwood onde vivia e onde nos levava a viver com ele.

Texto traduzido por José Ricardo do Socorro Lima da página http://www.ubcfumetti.com/zg/frank.htm, com a colaboração especial de Moreno Burattini.

[1] Segundo Moreno Burattini, fac-totum significa um que consegue fazer um pouco de tudo. Provavelmente Donatelli não era apenas desenhista, mas também era letrista (escrevia o texto nos balões), ou colocava o título, ou coloria, ou apagava os traços a mais, ou criava as frases de apresentação e as que resumiam a aventura do número anterior, ou telefonava para a tipografia para saber sobre a impressão.

Nenhum comentário: