sexta-feira, 28 de dezembro de 2012

Os muros de Jericho

A capa do romance original italiano.
Historicamente menosprezada pela "alta cultura", a aventura é uma palavra cara aos zagorianos há muitas décadas: pois se em Zagor não há um gênero específico, quando falamos de "aventura" podemos de alguma maneira englobar todas as tramas envolvendo horror, fantasia, explorações, faroeste e o que mais aparecer. O almanaque anual de Zagor na Itália é, justamente, chamado de Almanaque da Aventura. Portanto, o Espírito da Machadinha sempre esteve nesse meio, desde o princípio.

Se no cinema e nos quadrinhos a aventura encontra — hoje — algum respaldo crítico, com Flash Gordon, Fantasma, O tesouro de Sierra Madre e vários outros exemplos, na literatura ela continua sendo extremamente subestimada. E é nesse sentido que o romance Os muros de Jericho, escrito pelo incansável batalhador de Darkwood Moreno Burattini, representa um notável esforço para ignorar todo o preconceito que o drama aventuroso suscita e com isso dar uma contribuição de enobrecimento a essa espécie narrativa.

A capa da edição brasileira do romance, da Mythos. Desenho de Ferri.
Os muros de Jericho é, então, um romance de aventura, e nunca se envergonha dessa condição. Rápido e de leitura simples e prazerosa, o livro relaciona-se muito fraternalmente com a tradição de obras como as de Jack London e Stevenson, com uma estrutura apresentando elementos de força tais como uma figura masculina de grande poder físico (Zagor, evidentemente), um mistério a resolver, injustiças a corrigir e, claro, um tempo minúsculo para resolver o clímax.

Primeira página do livro, assinada por mim e pelo autor Burattini.
É uma história simples, seguindo a linha dos romances pulp de poucas páginas e muita movimentação. Capítulos curtos, com ganchos de suspense, fôlego suspenso entre a ação desenfreada. Burattini desenvolve a lenda de Za-gor-te-nay, com certa mitologia envolvendo o herói (muito se fala e se conhece dele, previamente), e depois faz valer a confrontação com a realidade: sim, Zagor era tudo o que se falava dele, e muito mais! O Senhor de Darkwood não desanima, não se cansa, tem uma vitalidade e senso de justiça apuradíssimos e infalíveis. Burattini faz como se o registrasse com uma câmera, cada linha do romance sendo um segundo fotografado de uma grande jornada de perigos. O romance de Zagor é quase um filme, o movimento transparecendo a cada virada de página. Isso corrobora ainda mais o espírito de dime novel, os livrinhos "descartáveis" que substituíam de maneira escondida a emoção do cinema para jovens leitores a quem a tela grande não alcançava. Lendo esses breves relatos, o leitor vira espectador de uma fita emocionante e com isso torna-se um pouco um personagem da história, estando lado a lado com o herói da vez, torcendo pela sua vitória e quase que correndo os mesmos riscos que ele.

Os muros de Jericho possui várias ilustrações, cada uma feita por um artista diferente. Isso serve para mostrar o que eu disse acima: é a lenda de Zagor se desenvolvendo, adquirindo matizes diversas — cada pessoa o vê/descreve de uma maneira diferente! Foi um belo toque a engrandecer bastante um já grande "pequeno" livro, que presta um devido tributo a décadas de representações do Espírito da Machadinha por incontáveis desenhistas: por mais diferentes que pareçam entre si, todos são apenas um, e é esse Zagor aventuroso e aventureiro, mito e amigo, herói e irmão, que Moreno Burattini descreve tão habilmente nesse extraordinário e surpreendente romance.

[A razão para eu não adentrar a trama mais a fundo é que não cabe a mim revelar seus detalhes, pois as surpresas são muitas e é preciso que o leitor (zagoriano ou não) detenha-se por algumas horas nessa inédita experiência literária zagoriana.]

4 comentários:

Unknown disse...

Parabéns Filipe, um grande relato sobre a leitura, o gênero literário e autores (amo os dois citados, a questão dos dime, que são uma leitura fascinante!
E, claro que termos obtido um autógrafo deste grande Zagoriano, editor e roteirista de Zagor, tem um sabor mais que especial.

Filipe Chamy disse...

Obrigado, Wilson!

Pois é, um autógrafo nesse belo (e único) romance de Zagor já se transformou num dos "mimos" da minha coleção. Infelizmente esqueci de pegar a assinatura do Civitelli no romance que ele ilustrou do Boselli...

Blog "A Opinião" disse...

Voce deveria escrever mais e mais para nós com as suas observações, caro Filipe.
Abraço,

Filipe Chamy disse...

Obrigado! Tentarei postar mais!