Antes de começarmos nossa entrevista, há uma pergunta que desejo fazer há muito tempo. Você começou a sua carreira no mundo dos quadrinhos, colaborando com vários fanzines. Foi difícil passar do papel de crítico e apaixonado àquele de escritor do próprio herói preferido?
Passar de apaixonado a escritor foi incrivelmente fácil, come se estivesse escrito em meu destino. Provavelmente, era eu que estava transbordando entusiasmo, por estar realizando meu sonho e não via dificuldades. Foi mais difícil, após entrar no staff, crescer profissionalmente e manter uma produção e um nível qualitativo adequados ao standard estabelecido há tempos pela tradição da Editora e do personagem. Minha participação nos fanzines foi fundamental. Eu fundei duas revistas: “Collezionare” e “Dime Press”, e colaborei com muitas outras. Eram tempos em que os apaixonados faziam suas próprias revistas num mimeógrafo e não criavam sites na internet.
Trabalhar no campo de quadrinhos, então, foi um sonho que se realizou, mas não foi o único. O que significou para você trabalhar com Zagor e interagir com aqueles que tinham, de alguma forma, alimentado e influenciado a sua fantasia?
Desde pequeno, eu tinha o sonho de escrever Zagor. Lia as histórias de Guido Nolitta e me perguntava, estarrecido, como esse mítico escritor (ignorava que fosse Sergio Bonelli) fazia para inventar aventuras tão belas. Mas quando Nolitta deixou de escrever a série (e até hoje eu choro por causa disso), eu já estava suficientemente grande para sentir que eu podia competir com alguns de seus sucessores. Naturalmente, eu estava enganado, pois ainda tinha tanto a aprender e muita estrada para percorrer. Mas o sonho permanecia e, assim, eu me exercitava, me documentava, procurava avidamente estudar tudo aquilo que pudesse servir-me para eu me tornar um escritor de revistas em quadrinhos.
Como aconteceu a sua passagem do papel de apaixonado para aquele de escritor de Zagor?
Entre as etapas da minha chegada a Zagor, há as minhas cartas, enquanto ainda era bem jovem, adolescente e rapaz, endereçadas a sergio Bonelli, com os comentários sobre as histórias que eram publicadas. Comentários que Sergio, evidentemente, achava interessantes, tanto que me respondia pessoalmente com missivas ou, ainda, por telefone. Assim, chegou o dia do meu primeiro encontro com Bonelli, durante o qual lhe entreguei um roteiro zagoriano. Não foi aceito: foram necessários outros dois anos de tentativas, antes que Decio Canzio me telefonasse para dizer-me que eu podia considerar-me no staff. Era o dia 12 de outubro de 1989.
Longe de mim a vontade de desencadear uma guerra entre apaixonados e os meios de informação. Creio que alguns dos sites de informação atualmente em voga, sites como UBC Fumetti ou Lo Spazio Bianco, sejam caracterizados por uma grande validade do conteúdo e pelo profissionalismo dos colaboradores. Entendo que os velhos e gloriosos fanzines devam invejar apenas a esplêndida sensação que o leitor tem quando pega num gibi. Que coisa vc pensa sobre isso?
Burattini recebe o prêmio Cartoomics 2006
como melhor escritor
Obviamente não há guerra que possa acontecer entre fanzines de papel e os sites, estando os primeiros praticamente desaparecidos (e que guerra seria essa, se estamos do mesmo lado da barricada?). As publicações amadoras se contam na ponta dos dedos e as poucas revistas de crítica de quadrinhos, como “Fumo di China”, “Fumetto” ou “If”, são revistas ao pé da letra, muito diversas das folhas mimeografadas ou estampadas em off-set, nas quais nós escrevíamos. Os sites da internet são vivos, interessantes, atualizadíssimos, facilmente consultáveis e gratuitos. Pode-se interagir com eles.
Os fanzines eram em preto e branco (ou preto e manchado), difíceis de serem encontrados (era necessário comprá-los nas gibiterias ou assiná-los ou procurá-los nas feiras de quadrinhos), com periodicidade variável. Não há confronto de forma alguma. É como falar de cinema mudo em preto e branco em confronto com aquele de hoje.
Contudo, os gibis são coisa de papel, aquilo no monitor é outra coisa e talvez eu seja um nostálgico, mas não há nada que eu possa achar na internet que me dê a mesma emoção de um belo livro ou uma bela revista estampada em um belo papel, com os volumes ou fascículos para folhear e conservar. São paupáveis, sinto que são meus, mais do que se fosse uma fita de vídeo. Internet é uma inesgotável fonte de informações e um extraordinário veículo de idéias, mas livros e revistas são amigos, irmãos e companheiros de vida.
Ok. Terminemos com as divagações e comecemos a falar de você. O que aconteceu com o seu primeiro roteiro? Você teve a tentação de voltar a ele e reciclá-lo à luz da experiência maturada no curso dos anos?
Meu primeiro roteiro para Zagor foi publicado: é aquela história que trouxe minha estréiat na série do Espírito da Machadinha, “perigo mortal”. Na prática, quando pensei nele, pensei em uma trama e ela, depois de várias revisões, chegou a ser aprovada, escrita, desenhada e estampada. Não me parece uma história ruim, nem mesmo hoje, depois de tanto tempo que foi para as bancas. E a segunda história que fiz, igualmente, agrada ainda hoje seja a mim, seja aos leitores zagorianos. Por outro lado, outras histórias sucessivas (a terceira, a quarta, a quinta), se eu pudesse, eu as escreveria de forma totalmente diferente: é a crise que acomete os autores depois de sua estréia, quando são chamados a demonstrar que podem permanecer em pé. Superada a quinta história, entendi que eu tinha capacidade de permanecer no jogo.
Se a memória não me falha, houve um momento, no início dos anos 90, ou seja, pouco antes que você entrasse na SBE, em que o destino de Zagor parecia já decidido. Marcello Toninelli, que, na época, era o editor da revista, deixou a série depois que seu projeto revolucionário de rejuvenescimento do personagem foi rejeitado. Como essa crise foi superada?
Do pessimismo de Bonelli, fui eu mesmo testemunha em 1989, quando realizei, com os amigos do fanzine “Collezionare”, uma longa entrevista dedicada a Zagor. “O personagem - declarou Sergio, na época - já teve o seu tempo. Mais do que isso não pode dar. É um herói que chegou ao fim, como tantos outros. Dessa forma, como editor, se tenho desejo de fazer alguma coisa, acho que não é bom debruçar-me sobre coisas velhas e prefiro dedicar-me a projetos novos”.
Quando, no mesmo ano, entrei no staff do personagem, eu sabia de tudo isso e a coisa me assustava. O pior foi uma frase dita por Marcello Toninelli, que me atingiu como uma facada: eu o encontrei logo após ter saído da série e perguntei por que a tinha largado. Marcello me respondeu (a grosso modo) assim: “não gostaria de ser lembrado como aquele que levou Zagor ao cancelamento”. Vi que meu destino seria fechar as cortinas da série e como fã número um do personagem, eu tinha que ficar passando mal! Por sorte, são passados quase vinte anos e de cancelamento ainda não se fala, ao contrário, continuamos a produzir com entusiasmo histórias para a série regular, especiais e almanaques e saiu, com sucesso de público e de crítica, o número 500 completamente a cores.O mérito da renovada vitalidade do personagem não é apenas meu, mas também (e sobretudo) de Mauro Boselli: nós trabalhamos vários anos juntos na redação e fizemos de tudo para dar ao fiel público zagoriano (do qual também nós fazemos parte) o gibi que ele merece. Eu e Boselli, além disso, fomos premiados em Lucca, em 2003, com o prêmio Gran Guinigi de melhores escritores, justamente pela contribuição dada em Zagor.
Obviamente não há guerra que possa acontecer entre fanzines de papel e os sites, estando os primeiros praticamente desaparecidos (e que guerra seria essa, se estamos do mesmo lado da barricada?). As publicações amadoras se contam na ponta dos dedos e as poucas revistas de crítica de quadrinhos, como “Fumo di China”, “Fumetto” ou “If”, são revistas ao pé da letra, muito diversas das folhas mimeografadas ou estampadas em off-set, nas quais nós escrevíamos. Os sites da internet são vivos, interessantes, atualizadíssimos, facilmente consultáveis e gratuitos. Pode-se interagir com eles.
Os fanzines eram em preto e branco (ou preto e manchado), difíceis de serem encontrados (era necessário comprá-los nas gibiterias ou assiná-los ou procurá-los nas feiras de quadrinhos), com periodicidade variável. Não há confronto de forma alguma. É como falar de cinema mudo em preto e branco em confronto com aquele de hoje.
Contudo, os gibis são coisa de papel, aquilo no monitor é outra coisa e talvez eu seja um nostálgico, mas não há nada que eu possa achar na internet que me dê a mesma emoção de um belo livro ou uma bela revista estampada em um belo papel, com os volumes ou fascículos para folhear e conservar. São paupáveis, sinto que são meus, mais do que se fosse uma fita de vídeo. Internet é uma inesgotável fonte de informações e um extraordinário veículo de idéias, mas livros e revistas são amigos, irmãos e companheiros de vida.
Ok. Terminemos com as divagações e comecemos a falar de você. O que aconteceu com o seu primeiro roteiro? Você teve a tentação de voltar a ele e reciclá-lo à luz da experiência maturada no curso dos anos?
Meu primeiro roteiro para Zagor foi publicado: é aquela história que trouxe minha estréiat na série do Espírito da Machadinha, “perigo mortal”. Na prática, quando pensei nele, pensei em uma trama e ela, depois de várias revisões, chegou a ser aprovada, escrita, desenhada e estampada. Não me parece uma história ruim, nem mesmo hoje, depois de tanto tempo que foi para as bancas. E a segunda história que fiz, igualmente, agrada ainda hoje seja a mim, seja aos leitores zagorianos. Por outro lado, outras histórias sucessivas (a terceira, a quarta, a quinta), se eu pudesse, eu as escreveria de forma totalmente diferente: é a crise que acomete os autores depois de sua estréia, quando são chamados a demonstrar que podem permanecer em pé. Superada a quinta história, entendi que eu tinha capacidade de permanecer no jogo.
Se a memória não me falha, houve um momento, no início dos anos 90, ou seja, pouco antes que você entrasse na SBE, em que o destino de Zagor parecia já decidido. Marcello Toninelli, que, na época, era o editor da revista, deixou a série depois que seu projeto revolucionário de rejuvenescimento do personagem foi rejeitado. Como essa crise foi superada?
Do pessimismo de Bonelli, fui eu mesmo testemunha em 1989, quando realizei, com os amigos do fanzine “Collezionare”, uma longa entrevista dedicada a Zagor. “O personagem - declarou Sergio, na época - já teve o seu tempo. Mais do que isso não pode dar. É um herói que chegou ao fim, como tantos outros. Dessa forma, como editor, se tenho desejo de fazer alguma coisa, acho que não é bom debruçar-me sobre coisas velhas e prefiro dedicar-me a projetos novos”.
Quando, no mesmo ano, entrei no staff do personagem, eu sabia de tudo isso e a coisa me assustava. O pior foi uma frase dita por Marcello Toninelli, que me atingiu como uma facada: eu o encontrei logo após ter saído da série e perguntei por que a tinha largado. Marcello me respondeu (a grosso modo) assim: “não gostaria de ser lembrado como aquele que levou Zagor ao cancelamento”. Vi que meu destino seria fechar as cortinas da série e como fã número um do personagem, eu tinha que ficar passando mal! Por sorte, são passados quase vinte anos e de cancelamento ainda não se fala, ao contrário, continuamos a produzir com entusiasmo histórias para a série regular, especiais e almanaques e saiu, com sucesso de público e de crítica, o número 500 completamente a cores.O mérito da renovada vitalidade do personagem não é apenas meu, mas também (e sobretudo) de Mauro Boselli: nós trabalhamos vários anos juntos na redação e fizemos de tudo para dar ao fiel público zagoriano (do qual também nós fazemos parte) o gibi que ele merece. Eu e Boselli, além disso, fomos premiados em Lucca, em 2003, com o prêmio Gran Guinigi de melhores escritores, justamente pela contribuição dada em Zagor.
Burattini com Lola Airaghi
Qual foi a contribuição de Mauro Boselli no “relançamento” de Zagor?
Seguramente, o longo período em que Zagor foi supervisionado por Mauro Boselli consentiu ao personagem a exploração de territórios novos. Certas histórias que, graças a ele, foram publicadas seriam de difícil publicação, no passado. Mauro teve a coragem de manter projetos inovadores, seus e de outros, incluindo a mim. E tudo com respeito substancial à tradição e sem desnaturar o Espírito da Machadinha.
Qual foi a contribuição de Mauro Boselli no “relançamento” de Zagor?
Seguramente, o longo período em que Zagor foi supervisionado por Mauro Boselli consentiu ao personagem a exploração de territórios novos. Certas histórias que, graças a ele, foram publicadas seriam de difícil publicação, no passado. Mauro teve a coragem de manter projetos inovadores, seus e de outros, incluindo a mim. E tudo com respeito substancial à tradição e sem desnaturar o Espírito da Machadinha.
Sob seu timão, a série conseguiu manter-se no passo com os tempos também do ponto de vista dos estilos narrativos e das técnicas de escrita. As histórias ficaram com mais complicações (mas não muitas) e no já rico microcosmo de características se uniram numerosas e interessantes figuras, amigas e inimigas. Nas aventuras de Mauro não é raro encontrar adversários que se revelam, no fim, figuras complexas, não negativas de todo, que fogem da pretensão maniqueísta de dividir o mundo em bons e maus.
Verificou-se, além disso, um deslocamento das referências literárias e cinematográficas: se no campo fantástico Nolitta (aliás Sergio Bonelli, o criador de Zagor) se referia aos clássicos B-Movies dos anos Cinqüenta (“o monstro da lagoa negra”, “o homem-lobo”, “Drácula”), hoje os modelos são Poe e Lovecraft, Hodgson e Howard. Sempre clássicos, mas de um outro gênero. Além disso, como apaixonado pelo folclore céltico, Boselli enriqueceu a saga com uma quantidade de sugestões inéditas derivadas da mitologia nórdica.
Stano, Burattini e Laurenti
Há poucos meses, foi publicado o histórico número 500 do Espírito da Machadinha. Você teve a honra de escrevê-lo. Com qual espírito você trabalhou em uma história de tamanha importância celebrativa? Que coisa diferencia (salvo a cor) o número 500 do 499 ou do 501?
Há poucos meses, foi publicado o histórico número 500 do Espírito da Machadinha. Você teve a honra de escrevê-lo. Com qual espírito você trabalhou em uma história de tamanha importância celebrativa? Que coisa diferencia (salvo a cor) o número 500 do 499 ou do 501?
Diante da responsabilidade de escrever também o número 500, imediatamente pensei que seria muito difícil conseguir atingir na mosca o gosto do público (depois de ser apreciado pelos criadores do personagem, Ferri e Nolitta). Realmente, uma revista tão importante é esperada com ansiedade e todo escritor seria muito cobrado. Ao mesmo tempo, as histórias de Zagor se diluem, por tradição, em vários episódios e é difícil conseguir concentrar tudo em uma só revista. Contudo, pensei numa revista “celebrativa”, com base em um esquema narrativo que permitisse percorrer algumas etapas importantes da saga, fazendo recordar ao leitor muitas emoções vividas no passado.
Assim, a diferença entre o 500 e o 501 consiste no fato de que o 500 foi concebido desde o começo (ao contrário do Tex 500, por exemplo) para ser um número particular, incomum, especial, que não fosse confundido com as outras revistas da série, justamente porque foi feita para celebrar um evento, homenageando uma extraordinária conquista editorial.
A maior parte das cartas que chegaram à redação, mas, sobretudo, os comentários no forum de Zagor e a resenha da UBC foram positivos, o que me agrada. Note-se que todos os números “centenários” e a cores de Zagor foram escritos por uma pessoa diferente: o número 100 por Guido Nolitta, o 200 por Tiziano Sclavi, o 300 por Marcello Toninelli, o 400 por Mauro Boselli, o 500 por mim (que sou, além disso, o escritor com mais páginas do Espírito da Machadinha na atividade, depois do próprio Bonelli). No número 500, entre outras coisas, lendo nas entrelinhas, nós encontramos precisas referências à obra de muitos outros escritores, além de Nolitta, que permitiram à série obter essa data histórica.
com Laurenti, Chiarolla e Verni.
Além de ser um dos escritores de ponta de Zagor, você é também o Editor. Que coisa nos reserva o futuro?
A série de Zagor sempre se baseou, desde o início, em um contínuo renovar-se dos cenários e das situações. Nolitta iniciou com histórias de western, depois tirou da cartola um gigantesco robô construído por um cientista louco, divertiu-se em inserir nas suas histórias vickings, homem-lobo e o Monstro da Lagoa Negra e foi mais além escrevendo histórias sobre alienígenas chamados Akkronianos, sem nunca esquecer-se dos índios, dos trappers, dos soldados e das caravanas na pradaria. Assim, na minha opinião, Zagor deve continuar a variar de cenários e a surpreender os leitores com idéias sempre novas, tiradas da manga, já que em Darkwood tudo é possível, nos limites (obviamente) do exemplo nolittiano.
E nós do staff (eu que, fazendo o melhor que posso, edito as histórias, e tantos escritores, dentre os quais também estou, que as escrevem) temos muitos ases na manga, por sorte, ainda para tirar. Uma história a que estou me dedicando muito e que sairá no outono (N. T.: no Brasil, corresponde à nossa primavera) terá um tema inédito (parece impossível depois de tantos anos): o alpinismo em seus primórdios. Depois, haverá estréias de novos autores e o retorno de importantes vilões como o sacerdote do mal Stephan, o supercriminoso Mortimer, a vampira Ylenia. Por fim, há uma longa travessia do Espírito da Machadinha pela América do Sul.
Entre tantas notícias confortantes nos últimos tempos, contudo, foi anunciada a suspensão dos especiais de Chico. Por que isso aconteceu? Os leitores não querer mais rir?
Uma coisa que aprendi justamente escrevendo Chico é que fazer rir é mais difícil que meter medo ou comover. Cada um ri de uma coisa diferente. O que me faz chorar de rir não faz a mesma coisa com outra pessoa. Eu consigo divertir-me facilmente. Outros, ao contrário, têm parâmetros muito seletivos e, em geral, não estão dispostos a tolerar o divertimento de outros, considerando que o deles é o único modo de diversão.
Entendo que Chico é um personagem humorístico perfeito, plenamente cômico, porque tem a potencialidade de encarnar todos os aspectos do humorismo: gags fantásticas, comédia dos equívocos, jogos de palavras e tormentos, paródias históricas e literárias, etc.
Considero que os dois criadores do personagem, Nolitta e Ferri, indiscutíveis mestres dos quadrinhos de aventura ainda que em momentos mais tristes e dramáticos, sejam extraordinários autores cômicos (ambos têm a extraordinária capacidade de realizar gags extremamente divertidas). A perfeita interpenetração entre humor e drama é apenas a primeira entre as tantas contaminações entre gêneros diversos que Zagor consegue realizar, mesclando western e ficção-científica, horror e suspense, aventura histórica e fantasia.
Realmente, a coisa mais notável nesse gênero de alquimia, que foi tentada também por outras pessoas, é que em Zagor funciona perfeitamente sem nenhum embaraço. Eu, que me embasei em muitas histórias de Lupo Alberto e Cattivik e que ganhei o prêmio Fumo di China como melhor escritor humorístico (digo para que vejam como o gênero me agrada), sempre me diverti muito escrevendo as histórias-solo de Chico. São revistas cômicas com um notável número de páginas, ou seja, são 128 páginas em cada aventura (enquanto o costume é que as coisas cômicas sejam breves) e com cenas engraçadas em todas as páginas. No total, escrevi cerca de 20 revistas ou mais de 2.500 páginas de gags. Considero, embora possa parecer estranho, que alguns desses “Chicos” estejam entre as melhores coisas que já escrevi.
Da minha parte, eu poderia continuar a escrevê-los (talvez me agradasse poder explorar novos tipos de aventuras). Além do meu trabalho, a série conta com colaboradores ilustres: os mais belos gibis foram escritos por Nolitta, Faraci e, ainda, Sclavi. À parte o meu prazer em escrever histórias do Chico, eu ficaria contente em ler aventuras escritas por outros.
Infelizmente, o mercado atual não premia quase nunca, salvo raras exceções, os produtos humorísticos. Minha diversão escrevendo a revista não corresponde àquela de um número suficiente de leitores. Parece-me que o último álbum vendeu 20.000 cópias. Em todo caso, Chico, que se encerra depois de vinte e cinco anos do seu lançamento, permanece como uma série vitoriosa, publicada com sucesso em vários países.
e Burattini na Mostra de Atri (2001)
Voltemos um pouco no tempo, à parte o cancelamento de Chico, as previsões de Toninelli pareciam exageradamente catastróficas. Na sua opinião, o que o levou a emiti-las e como elas o influenciaram?
Minha chegada em Zagor coincidiu com o abandono de Toninelli, o qual, há quase dez anos, era o herdeiro de Nolitta (as contribuições de outros escritores, como Castelli, Sclavi, Pezzin foram muito pontuais, em relação ao seu trabalho). De qualquer forma, Toninelli nunca foi propriamente um “editor” da série, que era supervisionada por Decio Canzio e Tiziano Sclavi, além do próprio Bonelli.
Em concomitância com os meus primeiros passos, Marcelo tinha submetido à Editora seu projeto para um rejuvenescimento clamoroso e total do Espírito da Machadinha, que estava perdendo leitores e que, segundo ele, deveria mudar formato, técnica narrativa, desenhistas, tudo.
A proposta era que Zagor fosse mais duro, cru, realístico e violento. Contemporaneamente, projetava-se uma fórmula “como nas novelas da TV”, com tramas e subtramas, à maneira dos X-Men de Chris Claremont, que, na época, gozavam de muito prestígio. Em suma, Toninelli tinha consciência de que um novo vigor deveria ser imprimido ao personagem, mas cria não poder fazê-lo no âmbito da continuidade. Ele pensava que era necessária uma mudança traumática, radical e descaracterizante. Creio que Marcelo soubesse que uma mudança tão drástica como aquela proposta por ele nunca seria aceita, já que, no âmbito bonelliano, o respeito pela tradição é um valor fundamental e, nesses casos, tenta-se renovar menos bruscamente (sobretudo com personagens que tem uma tradição pluridecenal e leitores muito ligados a eles)
Em razão desses entraves, ele preferiu primeiro propor roteiros para Nick Raider e Dylan Dog e depois deixou de vez a Bonelli. Pouco antes de sair, foi introduzida na Bonelli a figura do editor da série: uma inovação que, talvez, contribuiu para convencer Toninelli a procurar maior independência em outro lugar.
A frase de Nolitta que você citou há pouco me recorda uma outra frase, também triste, pronunciada por Sergio Bonelli ao anunciar seu último ciclo de episódios para Mister No. Um personagem que representa para mim o que o Espírito da Machadinha significou para você. Você acha que seria impossível relançar um personagem como Jerry Drake?
O impossível é, geralmente, o que não foi tentado. Imagino que cada escritor a quem fosse pedido um parecer responderia expondo algumas idéias, aquelas que segundo ele poderiam rejuvenescer Mister No.
Como nolittiano desde sempre, eu diria que o único em condições de relançar o personagem teria sido o próprio Nolitta, se ele pudesse sair da sua responsabilidade como editor e voltasse a escrever, em primeira pessoa, as aventuras. Mister No se parece tanto com Bonelli (embora não se identifique com ele) que sempre foi difícil para qualquer um escrever, no seu lugar, as histórias do piloto de Manaus.
Se a proposta de Toninelli tivesse sido aceita, como você, apaixonado pela série, teria reagido?
Sempre fui um admirador de Marcello Toninelli. Desde o tempo em que realizava uma divertidíssima revista chamada “Foxtrot”. Considero-o um excelente escritor e um incrível desenhista. Mas, quanto ao seu projeto de rejuvenescimento zagoriano, eu teria reagido mais ou menos assim: bela, belíssima, idéia para um novo personagem, que Marcello poderia ter inventado e levado adiante como proposto por ele (e de personagens novos o vulcânico Toninelli sempre foi craque), mas Zagor deve sempre permanecer Zagor.
Zagor é um personagem criado em 1961. Há 45 anos. Quase meio século no curso do qual a sociedade na qual vivemos mudou radicalmente, assim como mudaram os leitores, seus gostos e seus hábitos. O mundo globalizado não tem mais mistérios e plantas carnívoras, florestas encantadas, monstros marinhos, aventureiros e bucaneiros (somente para citar alguns dos fantasiosos elementos narrativos que fizeram a história de Zagor) parecem menos fascinantes, talvez um pouco datados. E o Espírito da Machadinha continua vivendo tranqüilamente sua aventura editorial (não obstante tantas criações mais recentes e em sintonia com o tempo atual). Que coisa faz de Zagor um “lugar sempre verde”?
Se soubéssemos a composição alquímica da fórmula vencedora, nós faríamos sempre personagens de sucesso. Infelizmente, não é assim. No caso de Zagor, podem ser descritos todos os elementos que, há quarenta e cinco anos, são evidentes: o “sense of wonder” e o fascínio emanado da floresta de Darkwood, o mix entre gêneros diversos, a facilidade (sem banalidade) de leitura, a grande variedade de argumentos, o rico elenco de vilões e coadjuvantes, a referência à grande literatura e ao cinema de ação e de aventura.
Além disso tudo, também o staff de autores que são chamados para cuidar das histórias faz a diferença entre os personagens (aqueles de maior sucesso e aqueles de menor sucesso). Zagor deve o seu sucesso à idéia vencedora que Guido Nolitta teve originariamente, junto com Gallieno Ferri, mas deve-se reconhecer também as tantas pessoas que souberam seguir a estrada indicada pelos criadores do personagem, mantendo o Espírito da Machadinha em sintonia com o tempo, sem desnaturá-lo.
A linguagem conquistou maior modernidade e velocidade, mas, não obstante as mudanças, Zagor continua sempre igual a si mesmo. Se há elementos que poderiam nos fazer pensar nele como um personagem de outros tempos, é verdade que o tipo de aventuras proposto para o Espírito da Machadinha não é assim muito distante daqueles filmes com Johnny Depp no papel de Jack Sparrow, que são atualíssimos, e a roupa vermelha de Zagor não se distancia muito daquela dos super-heróis que são vistos no cinema. A Aventura nunca sai de moda.
Qual é o leitor médio de Zagor? Quando você escreve, para quem você o faz?
Eu procuro escrever as histórias que, como leitor, me agradariam. Eu nunca consigo, porque me sinto desiludido com elas, mas, pelo menos, eu tento. O leitor médio de Zagor tem a minha idade. Aquela interior.
Que outro personagem da escuderia Bonelli você gostaria de escrever?
Mauro Boselli me pediu várias vezes uma história para Dampyr. Eu gostaria de experimentar o personagem (um dos melhores, em absoluto, da escuderia Bonelli), mas, até agora, não tive tempo, em razão dos meus empenhos com Zagor (do qual eu sou também o editor). Muitos me perguntam se escreverei um Tex, mas não cabe a mim propor isso, já que a esquadra de Águia da Noite é como a Seleção de futebol: as pessoas são chamadas. Eu, por sorte, jogo em um time da primeira divisão e estou perfeitamente satisfeito.
Texto traduzido pelo zagoriano de carteirinha José Ricardo.
O texto original pode ser lido aqui.
2 comentários:
Teste
Bela e importante entrevista onde se vê toda a paixão do Burattini por Zagor e como ele e Boselli foram responsáveis pela "ressureição" de Zagor, quando já nem o seu criador acreditava...
Outra nota a reter é que quem persiste, sempre alcança... um dos lemas que eu mais aprecio...
Parabéns e obrigado pela tradução e divulgação, José Ricardo.
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